Como o fragor do trovão"Estávamos em Janeiro de 1975. O sonho social-democrata desfazia-se nas arremetidas das ondas humanas em movimento. Eu fui chamado da fábrica. Já tinha havido muitos convites - alguns medonhos, como adiante contarei - e quase todos eu recusara. Desta vez fui.
Nomes que eram lenda, descomprometidos e corajosos, atraíram-me e conquistaram-me. Por eles cheguei aos mestres e às ideias que fizeram de mim um combatente mais consciente.
E lá estavam eles - aguerridos, turbulentos, astutos, ingénuos - os homens que me encantavam e atraíam: Pulido Valente, Rui d'Espiney, Acácio Barreiros.
- Quem é aquele? - Pergunto ao camarada do lado.
- Francisco Martins Rodrigues.
- Oh, não, não pode ser - protestei intimamente.
Um homem pequeno, encolhido, com um boné na cabeça, olhos postos no chão ou no papel; escrevendo, escrevendo quase sempre; tímido e ausente.
- Oh, não, não pode ser o Chico Martins - o maior marxista-leninista vivo da Europa capitalista, conforme me tinham dito.
Apesar da decepção sofrida, bebo os seus gestos de pedinte (é engraçado, nessa altura a imagem do Chico assemelhou-se-me à imagem peregrina da minha bisavó mendiga). Vejo-o debruçar-se e tirar do saco de plástico, que quase sempre o acompanhava, os seus livros e apontamentos. E começa a falar. Fala de início como reflecte a sua imagem: tímido, aparentemente indeciso, como que pedindo desculpa. Mas há algo de profundo e convincente nas suas frases. E eu fico preso e extasiado perante o seu discurso feito de sabedoria, sem retórica. À medida que vai falando, vai-se libertando da timidez e a sua voz, falando baixinho, ecoa por todos nós como o fragor do trovão e a harmonia da seara docemente beijada pelo vento."
Manuel Monteiro, Perder a esperança, porquê? - Um operário fala do seu tempo, Centelha, Coimbra, 1982
Ler ainda no Spectrum, para recordar um grande homem com quem nem sempre se concordou, mas que fica na história da esquerda europeia:
Convém não confundir
Excomunhões
No nosso movimento
Cuidado com eles
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